*fragmento de catarse
Fechamento de ano em incerteza e insegurança. Como presente, o aguçamento dos sentidos diante do simples, do ritual, do abraço, da contemplação. A força do luto no perdão e honra de àqueles que foram e que fomos, linhas do tempo se abrem com cada lágrima diante da espiral do tempo que nos consome e multiplica. A gratidão por um presente Aleph que tudo abarca, o choro e suspiro que não poderiam se situar em um extremo ou outro, contendo simultaneamente o belo e o atroz. A dualidade em sua máxima expressão, que puxa, puxa até romper. Ali abrir, expandir-se, dissolver-se. Não há início nem conclusão, um desfazer-se doloroso e doce em que cada respiro é um milagre. A simulação se intensifica, os espelhos nos mergulham em profundidades reveladoras, o estagnado vira corrente e nos balançamos entre o vertigem e a poesia. Num postal, escrevia: bitterness and pain defy me to find poetry and beauty within. May we all find the peace that awaits us. O desapego, a amorosidade que não renega do imperfeito, habitar a materialidade desde suas contradições sem sacrificar a solidariedade e a ternura. Comover-se com a dor, construir a fé que nos foi tirada. Navegar a existência resistindo a sentir a realidade como externa, pois ela nos contém e reciprocamente a afetamos e reproduzimos. Se nada é eterno, o aqui e agora – em que constantemente deixamos de ser e nos tornamos – é resgate da voragem mental e suas invenções que nos distraem do mágico ao redor, da leveza da aceitação de um cosmos inexplicável pela razão ocidental que nos oprime ao negar nossa pertença a um mundo vivente e universo consciente. Caminhos se abrem para novas racionalidades e sensibilidades, não sem a destruição já em curso. Você a vê? Sente-se, nega-se, nos rompe, deforma. Seguiremos nos encontrando até nos reunirmos no todo de harmonia geométrica que é o vazio potencial, nas entranhas sentimos a inevitabilidade da morte, sagrada mestra que nos constitui humildes, efêmeros, absurdos. Suavizemos nossos sistemas nervosos, sustentemos a dança e o riso como revolução, defendamos o amor como última bandeira.